sexta-feira, 16 de outubro de 2015

O mito de Sísifo, Albert Camus

Albert Camus nasceu em Mondovi na Argélia, em novembro de 1913, e faleceu em Villeblevin na França, em janeiro de 1960, aos 46 anos. Foi escritor, romancista, ensaísta, dramaturgo e filósofo. Na sua terra natal (na época uma colónia Francesa), viveu sob a guerra, a fome e a miséria, fatores que influenciaram o desenvolvimento do pensamento do escritor. Em 1957, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura pela sua importante produção literária.
Camus e Sartre tornaram-se amigos em 1942 depois que Sartre leu O Estrangeiro e ficou curioso por conhecer o autor. Mas a amizade durou até 1952, quando aconteceu a publicação de O Homem Revoltado, provocando desentendimento entre os dois.
As suas obras mais conhecidas são O Estrangeiro e A Peste, porém a mais marcante para a filosofia foi o ensaio O Mito de Sísifo, escrito em 1941.
Sísifo na mitologia grega era considerado o mais astuto de todos os mortais. Mestre da malícia e da felicidade, era tido como um dos maiores ofensores dos deuses, tendo conseguido enganar a morte por duas vezes, driblando os deuses Tânatos e Hades.  Ao morrer, Sísifo foi considerado um grande rebelde e foi condenado pelos deuses a empurrar, por toda a eternidade, uma grande pedra até o cume de uma montanha só para ela rolar montanha abaixo sempre que estava prestes a alcançar o topo, começando tudo de novo.
Por este motivo, a tarefa que envolve esforços inúteis passou a ser chamada “Trabalho de Sísifo”. A eterna busca do homem por um sentido para a vida, eis aí um esforço inútil. Há outros esforços inúteis no âmbito político ideológico, como as utopias que pretenderam transformar o mundo, e uma vez passado o entusiasmo pelos ideais elevados, o que se viu foi uma distopia generalizada. Parece que a humanidade está até hoje a pagar pela rebeldia de Sísifo.
Pode-se conceber Camus como um pensador pessimista, mas num olhar mais atento, veremos que não é bem assim. Sua obra literária e filosófica têm o absurdo como pano de fundo e uma proximidade com autores que o precederam, como Franz Kafka e Dostoiévski. Outros importantes escritores e dramaturgos pertencentes a este movimento, que ficou conhecido como estética do absurdo, foram Samuel Beckett e Eugène Ionesco.
O “absurdo” para Camus se origina de nossas tentativas de dar sentido a um mundo sem sentido, e sua obra evidencia as angústias e conflitos da época, mas que continuam a nos desafiar na atualidade. Diante do dilema da futilidade do esforço e da certeza da extinção do homem e do universo, o que nos restaria então? Por que eu não deveria cometer suicídio?  Mas para Camus, o suicido não é a solução para o absurdo, é ao contrário, sua negação, a negação da própria existência humana, e não podemos resolver o problema do absurdo, negando sua existência. Diante do absurdo, devemos de alguma forma metafórica, nos revoltar. A “revolta” é a consciência de nossa condição, mas sem a resignação que deveria acompanhá-la. Aceitar o absurdo é aceitar a morte, mas recusá-lo é aceitar uma vida no precipício, na qual não se pode encontrar o conforto, mas apenas “viver num vertiginoso cume – isso é integridade, o resto é subterfúgio.” O “cume vertiginoso” para Camus é a experiência inteiramente consciente de estar vivo.
Deste modo, Sísifo que está condenado à eterna repetição, consciente dela, descobre que “a lucidez que devia constituir a sua tortura ao mesmo tempo coroa a sua vitória”. Camus diz que devemos imaginar Sísifo feliz, pois “ser consciente da própria vida num grau máximo, é viver num grau máximo”.
Camus considera que autores da filosofia existencialista como Kierkegaard e Sartre fracassaram em tentar resolver o conflito para as consequências do encontro entre um ser humano racional e um mundo irracional, porque ele é insolúvel justamente por pertencer a existência humana.
Ter por exemplo, a consciência de que liberdade e justiça são relativas, é na verdade a condição para não desistir delas, e não o contrário.
Albert Camus morreu em um acidente de automóvel em 1960, numa viagem à Paris, decidida de última hora – pois ele a faria de trem – por insistência de um amigo. Em sua maleta estava o manuscrito de O Primeiro Homem, um romance autobiográfico. Por uma ironia do destino, nas notas ao texto ele escreve que aquele romance deveria terminar inacabado.
Eliane Boscatto

Alguns excertos:

“Os deuses tinham condenado Sísifo a rolar um rochedo incessantemente até o cimo de uma montanha, de onde a pedra caía de novo por seu próprio peso. Eles tinham pensado, com as suas razões, que não existe punição mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança.”
“Sísifo é o herói absurdo. Ele o é tanto por suas paixões como por seu tormento. O desprezo pelos deuses, o ódio à Morte e a paixão pela vida lhe valeram esse suplício indescritível em que todo o ser se ocupa em não completar nada. […] Ao final desse esforço imenso medido pelo espaço sem céu e pelo tempo sem profundidade, o objetivo é atingido. Sísifo, então, vê a pedra desabar em alguns instantes para esse mundo inferior de onde será preciso reerguê-la até os cimos. E desce de novo para a planície.”
“É durante esse retorno, essa pausa, que Sísifo me interessa. Um rosto que pena, assim tão perto das pedras, é já ele próprio pedra! Vejo esse homem voltar a descer, com o passo pesado, mas igual, para o tormento cujo fim não conhecerá. Essa hora que é como uma respiração e que ressurge tão certamente quanto sua infelicidade, essa hora é aquela da consciência. A cada um desses momentos, em que ele deixa os cimos e se afunda pouco a pouco no covil dos deuses, ele é superior ao seu destino. É mais forte que seu rochedo.”
“Toda a alegria silenciosa de Sísifo está aí. Seu destino lhe pertence. Seu rochedo é sua questão. Da mesma forma o homem absurdo, quando contempla o seu tormento, faz calar todos os ídolos […] O homem absurdo diz que sim e seu esforço não terá interrupção […] De resto, sabe que é dono de seus dias.”
“Deixo Sísifo no sopé da montanha! Sempre reencontramos o nosso fardo. Mas Sísifo ensina a fidelidade superior que nega os deuses e levanta os rochedos. Ele também acha que tudo está bem. Esse universo doravante sem senhor não lhe parece nem estéril nem fútil. Cada um dos grãos dessa pedra, cada clarão mineral dessa montanha cheia de noite, só para ele forma um mundo. A própria luta em direção aos cimos é suficiente para preencher um coração humano. É preciso imaginar Sísifo feliz.”


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