sábado, 17 de outubro de 2015

O Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley



SINOPSE: Em Admirável Mundo Novo Huxley descreve, num misto de fantasia e sátira implacável, uma sociedade futura de tipo totalitário. A ideia simplista do progresso, alicerçado apenas na técnica; o sórdido materialismo mecanicista e certas ideologias filiadas numa filosofia de inspiração utilitarista - eis o alvo da sátira de Huxley. Efectivamente , o Admirável Mundo Novo é um aviso, um apelo à consciência dos homens. É uma denúncia do perigo que ameaça a humanidade, se a tempo não fechar os ouvidos ao canto da sereia do falso progresso.

ANÁLISE DA OBRA

O Admirável Mundo Novo, escrito por Aldous Huxley em 1931, é uma “fábula” futurista relatando uma sociedade completamente organizada sob um sistema científico de castas, onde não haveria vontade livre, abolida pelo condicionamento; a servidão seria aceitável devido as doses regulares de felicidade química e ortodoxias e ideologias seriam ministradas em cursos durante o sono. Olhando o presente, podemos imaginar um futuro semelhante em termos de avanços tecnológicos.
 

O PROCESSO BOKANOVSKY É UM DOS PRINCIPAIS INSTRUMENTOS DA ESTABILIDADE SOCIAL

 O Processo Bokanovsky é um dos principais instrumentos da estabilidade social, pois possibilita a produção em série do ser humano permitindo que em um único óvulo sejam fecundados 96 gêmeos, por isso se dá a estabilidade social. Através deste processo toda a comunidade, homens e mulheres serão idênticos, padronizados, em grupos uniformes, constituídos de um único embrião. “… Toda a pessoa de uma pequena usina constituída pelos produtos de um único ovo bokanovskizado…” (p.14) E ainda, manipulados, condicionados através do Sistema Hipnopédico que consistia em repetir dezenas de vezes mensagens, durante o sono das pessoas, acabando por ficar gravado no subconsciente como se fosse uma lição de casa.


Não há Civilização sem Estabilidade Social.
Não há Estabilidade Social sem Estabilidade Individual.

Segundo Huxley para que haja uma estabilidade social é preciso um equilíbrio e igualdade da comunidade, e isto estava condicionado à estabilidade individual, ou seja, era preciso que as pessoas fossem felizes, satisfeitas com o que lhes foi estabelecido, condicionado. “… homens sãos de espírito, obedientes, satisfeitos em sua estabilidade…” (p.55). “O controle do comportamento indesejável por intermédio do castigo é menos eficaz, no fim das contas, do que o controle por meio de reforço do comportamento desejável mediante recompensas.” (p. 18) Já que a punição trava temporariamente o comportamento indesejável, mas não suprime definitivamente a tendência da vítima a sentir-se bem ao comportar-se de determinado modo.
Com a estabilidade individual, social, todos eram perfeitos, felizes, e todos eram de todos, onde nem sequer havia espaço para guerras, desentendimentos entre outras coisas. Portanto, vivia-se numa sociedade perfeitamente condicionada e completamente organizada, sob um sistema científico de castas, onde a vontade livre fora abolida por meio de um condicionamento metódico, a servidão tornou-se aceitável mediante doses regulares de felicidade quimicamente transmitida pelo “soma” (a droga liberada do futuro), e onde as ortodoxias e ideologias eram propagandeadas em cursos noturnos durante o sono.


OBJETIVO DO CONDICIONAMENTO DAS PESSOAS

O condicionamento imposto começava desde logo no período da incubação, onde cada sujeito era condicionado para ocupar o seu lugar na estrutura social criada, predestinadas cada qual para uma função, uns para serem mineiros, outros tecedores de seda, dentre outras funções. Sendo assim seu espírito seria formado de maneira a confirmar as predisposições do corpo. Para serem felizes as pessoas precisavam aceitar passivamente seu destino “… fazer as pessoas amarem o destino social de que não podem escapar…” (p.25) O condicionamento do ser humano, um cenário que a humanidade atualmente não deseja, poderá obrigá-lo, condicioná-lo levando a gostar e/ou fazer coisas para o bem do próprio Estado, onde o indivíduo vive numa serena ignorância devido o seu brutal condicionamento, atingindo assim a tal Estabilidade que se fala. Huxley consolida na sua obra: “_ Estabilidade – insistiu o administrador _ Estabilidade. A necessidade fundamental e definitiva…” (p.56).

RELAÇÃO COM OS LIVROS E A LITERATURA

Desde o período da incubação o sujeito passa pelo condicionamento, onde já ficam determinados a ficaram longe dos livros por toda a vida. “_Elas crescerão com o que os psicólogos chamavam de um ódio “instintivo” aos livros” (p.32). Dessa forma, não havia espaço para questionamentos ou dúvidas, nem para os conflitos, evitando o perigo de lerem coisas que provocassem o indesejável questionamento a respeito das coisas que lhes foram impostas, para que não descobrissem através dos livros os valores morais e éticos que foram abolidos naquele novo mundo: família, sentimentos, religião, o Verdadeiro DEUS. Os livros (A Bíblia) “… são velhos, tratam de Deus tal como era há centenas de anos, não de Deus tal como ele é presentemente”. Sendo assim, nada lhe sairia do controle, a comunidade continuaria passiva, servindo os ideais estabelecidos por um Estado Totalitário, sob o qual se regiam os princípios “Comunidade, Identidade, Estabilidade”.


CONCEITO DE FAMÍLIA

A família era vista como um valor ultrapassado, todos os valores humanos foram transferidos para o conforto e felicidade. A família é completamente excluída deste novo mundo, uma vez que a mãe, pai, ou mesmo família em geral eram palavras consideradas falsas e ridículas, sem nenhum sentido. “É minha mãe (…). A enfermeira lançou-lhe um olhar cheio de horror e em seguida virou-se bruscamente…” Todos eram de todos, não existia um vínculo amoroso, as intimidades eram consideradas sufocantes, o relacionamento, perigoso, insensato e obsceno. “O lar, a casa _ … falta de ar, falta de espaço, uma prisão insuficientemente esterilizada; a obscuridade, a doença, os cheiros.” (p.49).


QUEM ERA FORD?

Deus nesta obra foi substituído por Ford, tendo o autor criado um próprio Deus para este novo mundo. “…. Deus no cofre-forte e Ford nas estantes…”. Este nome pode ter sido influenciado por Freud – o pai da psicanálise, que estudava a essência do homem e suas personalidades. “ Nosso Ford – ou nosso Freud, como, por alguma razão inescrutável, preferia ser chamado assim, sempre que tratava de assuntos psicológicos.”(p.51).  Ou, até mesmo, inspirado na mistura do nome Freud com “Lord”  que significa: senhor, amo, soberano, Deus.
O verdadeiro Deus não tem espaço neste novo mundo, ou melhor, nenhum ser deste novo mundo tinha conhecimento da existência de Deus, ao contrário do Selvagem que tinha absorvido conhecimentos com sua mãe Linda e com o velho sábio. Numa conversava com os Administradores Mundiais, John, o Selvagem afirmava:  “Não quero conforto. Quero Deus, quero poesia, quero o autêntico perigo, quero a liberdade, quero bondade, quero o pecado…” enfim, quero ter o direito de ser infeliz se assim desejar. As pessoas deste novo mundo, exceto Selvagem, desconhecem a Deus pois foram completamente abstraídas da religião em concreto.
A proclamação da ‘morte de Deus’ na vã esperança de um ‘super-homem’, traz consigo um resultado evidente: a ‘morte do homem’. De fato não se pode esquecer que a negação da sua dimensão de criatura, longe de exaltar a liberdade do homem, gera novas formas de escravidão, novas discriminações, novos e profundos sofrimentos. A clonagem corre o risco de ser a trágica paródia da onipotência de Deus.

O SOMA E A NOSSA REALIDADE.

O Soma é a droga liberada do futuro, é a droga psicotrópica, indispensável, usada neste mundo para fugir do cotidiano, ou seja, para as pessoas se abstraírem completamente das suas emoções, quando estas quiserem vir a tona. “Podem proporcionar a si mesmos uma fuga da realidade sempre que desejarem e retornar a ela sem a menor dor de cabeça nem sombras de mitologia” (p.69). São usadas como instrumentos do governo, com o objetivo de impedir o povo de prestar demasiada atenção às realidades da situação social e política. Somente o ‘Selvagem’, personagem do Admirável Mundo Novo resgatado de uma reserva de pré-civilizados percebe isso com nitidez, pois olhando aquela civilização de fora, tem condições de detectar o que os seres extremamente condicionados não vêem. Daí sua revolta e tentativa de “libertá-los” do soma.
Segundo Ivan Schmidt, na obra, A ilusão das drogas, “A cocaína é uma substância química capaz de modificar de vários modos a atividade mental, ora excitando-a, ora reprimindo-a, tem o poder de modificar e transformar a percepção mental, influindo até mesmo no comportamento social do indivíduo, de conformidade com a sua personalidade.” Nos dias atuais a situação não é muito diferente, a cocaína é usada principalmente pelos jovens – futuro da humanidade.  Ela é usada como uma forma de fugir da realidade, visto como uma válvula de escape para os seus problemas, proporcionando assim uma sensação de bem-estar imediato, tornando o usuário totalmente dependente – escravo do vício.


CRÍTICA EM ADMIRÁVEL MUNDO NOVO

O mundo que nos relata a obra “Admirável Mundo Novo” é uma antevisão de um futuro no qual o domínio quase integral das técnicas e do saber científico produz uma sociedade totalitária e desumanizada. Demonstra o controle político face à sociedade e ao mundo através da ciência/tecnologia.
A ciência/tecnologia nesta obra é utilizada de forma extremamente negativa para o ser humano, e de fato não é menos verdade que atualmente se vive numa anarquia em relação à forma como as novas tecnologias, nomeadamente a clonagem, são dirigidas, muito por culpa de políticas e interesses econômicos.
Contudo, quando existem interesses políticos sobre a ciência e tecnologia que colocam a ética no “lixo”, os perigos e os poderes que a ciência e a tecnologia possuem são bem claros, por exemplo: Em  Hiroshima morreram milhares de pessoas e muitas outras sobreviveram com deficiências e traumas que as marcaram para o resto da vida. Ao Estado Americano importava ganhar uma guerra que foi conseguida pela criação da bomba atômica concebida pelos cientistas que descobriram as fórmulas (ciência) e pelos utilizadores da ciência (tecnologia) que a construíram, tudo isto por um interesse político que teve, assim, um desfecho trágico. Por trás da vitória dos Estados Unidos e descoberta das fórmulas químicas da bomba, esconderam-se milhares e milhares de vidas perdidas e outras tantas marcadas pelo sucedido…”
A ciência deve estar a favor da humanidade, procurando resolver os problemas relacionados com o ser humano e nunca contribuir para sua autodestruição. Devia existir um permanente acompanhamento por parte das autoridades competentes no sentido de controlar, observar tudo o que se relaciona com experiências quando estiver em causa toda a humanidade. Como diria Edgar Morin, deve existir “Ciência com consciência”, e talvez todos os seres vivos e o próprio planeta não sairiam prejudicados.
Porém, a ciência como o próprio autor vislumbra, tem sido usada para favorecer os interesses dos dominantes. Estamos longe da República de Platão, governada pelos cientistas em prol da humanidade. Embora se posicionando contra toda forma de autoritarismo, o autor não faz nenhum questionamento mais sério sobre as profundas divisões estruturais do trabalho, coaduna com elas. Tanto é verdade que aventa a possibilidade de tratamentos diferenciados para os países do terceiro mundo, ou subdesenvolvidos. Denota-se que sua preocupação básica é com o ocidente e os riscos e uma ascensão Russa:

“Se a superpopulação conduzir os países subdesenvolvidos ao totalitarismo, e se essas novas ditaduras se aliassem com a Rússia, então a posição militar dos Estados Unidos tornar-se-ia menos segura e os preparativos de defesa e retaliação teriam de ser intensificados. (…) e a crise permanente é o que temos a esperar num mundo em que a superpopulação está a produzir um estado de coisas que a ditadura, sob os auspícios comunistas se torna quase inevitável”. (p.35)

PAPEL DA MULHER NA OBRA

Na obra a mulher é  vista apenas como um radical instrumento reprodutor, ficando limitada a algumas das funções puramente biológicas (empréstimo do óvulo e do útero), estando já em perspectiva a investigação para tornar possível construir úteros artificiais, o derradeiro passo para fabricação, em laboratório,  do ser humano. No processo de clonagem, ficam pervertidas as relações fundamentais da pessoa humana: a filiação, a consangüinidade, o parentesco, a progenitura. Uma mulher pode ser irmã-gêmea de sua mãe, faltar-lhe o pai biológico e ser filha do avô. Com a FIVET (fecundação <in vitro> e transferência de embrião), já se introduziu a confusão no parentesco, mas, na clonagem, verifica-se a ruptura radical de tais vínculos.
Cultiva-se a idéia segundo a qual alguns homens podem ter um domínio total sobre a existência dos outros, a ponto de programarem a sua identidade biológica, aumentando, portanto, a convicção de que o valor do homem e da  mulher não depende da sua identidade pessoal, mas apenas daquelas qualidades biológicas que podem ser apreciadas e por isso selecionadas. São bem visíveis os poderes que a ciência/tecnologia possui; seriam capazes de controlar todo e qualquer ser vivo deste planeta. Podemos afirmar que a humanidade corre perigo?

Marli Savelli de Campos
https://mscamp.wordpress.com/paginas-escritas/admiravel-mundo-novo/

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